Para se compreender o fenômeno da
violência com base no sexismo se faz necessário um breve retorno
ao legado investido à mulher pela cultura ocidental.
A classificação da Mulher tem sido norteada pelas óticas biológica e social, determinantes
para a desigualdade de gênero, que traz em seu bojo uma relação
assimétrica sob a égide de um discurso que se pauta na valoração de um
sexo sob o outro.
Por exemplo, na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em conseqüência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo. (PULEO, 2004, p. 13)
Na Grécia Antiga havia muitas
diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos,
não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas,
sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu),
enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos, como
Vrissimtzis (2002) elucida:
[...] o homem era polígamo e o soberano inquestionável na sociedade patriarcal, a qual pode ser descrita como o ‘clube masculino mais exclusivista de todos os tempos’. Não apenas gozava de todos os direitos civis e políticos, como também tinha poder absoluto sobre a mulher. (VRISSIMTZIS, 2002, p. 38)Em Roma “elas nunca foram consideras cidadãs e, portanto, não podiam exercer cargos públicos” (FUNARI, 2002, p. 94). A exclusão social, jurídica e política colocavam a mulher no mesmo patamar que as crianças e os escravos. Sua identificação enquanto sujeito político, público e sexual lhe era negada, tendo como status social a função de procriadora.
Com o advento da cultura
judaico-cristã tal situação pouco se alterou. O Cristianismo retratou a mulher
como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por
isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens,
— seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das
mulheres — como formas de obter sua salvação. Assim a religião judaico-cristã
foi delineando as condutas e a ‘natureza’ das mulheres e incutindo uma
consciência de culpa que permitiu a manutenção da relação de subserviência e
dependência. Mas não foi só a religião que normatizou o sexo feminino, a
medicina também exerceu seu poder, apregoando até o século XVI a existência de
apenas um corpo canônico e este corpo era macho. Por essa visão a vagina é
vista como um pênis interno, os lábios como o prepúcio, o útero como o escroto
e os ovários como os testículos.
A crença da mulher como um homem
invertido e, portanto, inferior, perdurou durante milhares de anos como se pode
observar, na passagem em que Laqueur (2001), comenta a visão de Aristóteles:
O kurios, a força do esperma para gerar uma nova vida, era o aspecto corpóreo microcósmico da força deliberativa do cidadão, do seu poder racional superior e do seu direito de governar. O esperma, em outras palavras, era como que a essência do cidadão. Por outro lado, Aristóteles usava o adjetivo akuros para descrever a falta de autoridade política, ou legitimidade, e a falta de capacidade biológica, incapacidade que para ele definia a mulher. Ela era, como o menino, em termos políticos e biológicos uma versão impotente do homem, um arren agonos. (LAQUEUR, 2001, p. 68)
O modelo de sexo único prevaleceu
durante muito tempo por ser o homem — ser humano nascido com o sexo biológico
masculino, ou seja, pênis— o alvo e construtor do conhecimento humano. Dentro
dessa visão androcêntrica, a mulher consistia em uma categoria vazia. Apenas
quando se configurou na vida política, econômica e cultural dos homens a
necessidade de diferenças anatômicas e fisiológicas constatáveis é que o modelo
de sexo único foi repensado.
A visão naturalista que imperou
até o final do século XVIII determinou uma inserção social diferente para ambos
os sexos. Aos homens cabiam atividades nobres como a filosofia, a política e as
artes; enquanto às mulheres deviam se dedicar ao cuidado da prole, bem como
tudo aquilo que diretamente estivesse ligado à subsistência do homem, como: a
fiação, a tecelagem e a alimentação.
Tal eixo interpretativo começou a
mudar neste mesmo século, a partir da Revolução Francesa (1789). Nela as
mulheres participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens
por acreditarem que os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade seriam
estendidos a sua categoria. Ao constatar que as conquistas políticas não se
estenderiam ao seu sexo, algumas mulheres se organizaram para reivindicar seus
ideais não contemplados. Uma delas foi Olympe de Gouges, que publicou em 1791,
um texto intitulado Os Direitos da Mulher e da Cidadã.
No século XIX há a consolidação do
sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade
como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande
contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe
era reservado e permitido — o espaço privado, e vai a esfera pública. Neste
processo, contestam a visão de que são inferior aos homens e se articulam para
provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória
do movimento feminista. Ao questionar a construção
social da diferença entre os sexos e os campos de articulação de poder, as
feministas criaram o conceito de gênero, abrindo assim, portas para se analisar
o binômio dominação-exploração construído ao longo dos tempos.
A violência contra a mulher traz
em seu seio, estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia
e suas relações de poder. Tais relações estão mediadas por uma ordem patriarcal
proeminente na sociedade brasileira, a qual atribui aos homens o direito a
dominar e controlar suas mulheres, podendo em certos casos, atingir os limites
da violência.
Sintetizando o aspecto filosófico, ao realizar um resgate sobre a presença das mulheres na
história da filosofia, percebe-se que a figura do feminino é discutida por meio
de um sujeito que não é o que a representa, mas sim outro sujeito: o sujeito
masculino. Mesmo assim, este discurso é sempre evitado no campo filosófico.
A mitologia grega destaca fortemente a presença de mulheres através da
figura das deusas Artemis, Atena, Afrodite, Deméter, Hera, Perséfone, Pandora e
Gaia. Embora a inteligência e o pensamento sejam representados pela deusa
Minerva (versão latina da deusa Atena), é interessante destacar, que esta nasce
não do corpo de sua mãe, mas da cabeça de seu pai, Zeus. Isto demonstra, desde
o princípio, a desvalorização da mulher.
Como já foi dito na postagem anterior, a forma como os filósofos, em geral, tematizam a mulher ao longo dos
séculos, demonstra um claro desprezo ao ser feminino. Embora a mulher
tenha sido desprezada na história da filosofia, o tema “mulher” foi abordado
por muitos pensadores. Textos de importantes filósofos como Platão, Aristóteles
e Kant, retratam a diferenciação entre os sexos.
Entretanto, apesar da discriminação das mulheres no
campo filosófico, é possível perceber que, ao longo da história da filosofia,
várias mulheres se destacaram como seres humanos que buscaram saber e
conhecimento. No século XX há um destaque especial a algumas filósofas
importantes. Dentre elas, encontram-se Hannah Arendt, Simone Weil, Edith Stein,
Mari Zambrano e Rosa Luxemburgo. Estas mulheres, contrariando a ordem
patriarcal de seu tempo, foram filósofas importantes e, sem dúvida,
contribuíram decisivamente para a construção do conhecimento.
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